Nesta segunda parte da nossa conversa com alguns corredores viajantes que participaram da Maratona de Nova Iorque 2011, o destaque deste post é o Augusto Silveira, também atleta da Sprint Assessoria Esportiva, de Florianópolis, Santa Catarina.
Ele nos conta todos os detalhes de como foi a viagem, o planejamento, treinamento, e a emoção de participar da prova. Confira o depoimento!
No dia 06 de novembro realizei algo que nunca tinha imaginado conseguir. Completei uma maratona, 42,195 km correndo sem parar (segundo meu Garmin, 42,44km).
Não tenho uma genética muito favorável para a corrida. Quando entrei para a Sprint eu já corria com uma certa assiduidade e já havia inclusive feito uma prova de 10km, mas além de ser um corredor muito lento meu batimento cardíaco subia muito rápido, chegando as vezes a 200bpm. Um de meus modestos objetivos era correr pelo menos 40min num pace de 7min/km (8,6km/h) com meu coração abaixo de 160bpm.
Bom, com um ano e nove meses de Sprint meu objetivo já era mais ousado, completar uma maratona correndo sem parar.
A preparação foi bem intensa, mas não consegui me dedicar como gostaria e deveria. Em função da dedicação ao trabalho, tiveram dois meses onde treinei muito pouco e para piorar já estava próximo da maratona, foram nos meses de junho e julho. Ao final de setembro quis compensar esta baixa e extrapolei o volume de treino passado nas planilhas do Paulinho (técnico da Sprint). O resultado disso foi logo sentido pelo joelho e panturrilha, que me deram um baita susto.
Por sorte estava cercado por pessoas muito competentes. Além do Paulinho, o fisioterapeuta Rene Forte conseguiu me colocar treinando de novo rapidamente. A panturrilha que me preocupou mais, só fiquei bem seguro em relação a ela duas semanas antes da prova.
Além disso, em um destes treinos onde não respeitei o volume imposto pelo Paulinho, corri 28km e quebrei feio. Fui me arrastando os últimos 4km. Isto me deixou muito receoso em não conseguir completar a maratona.
A viagem
Vamos para New York. Chegamos lá na quinta pela manhã e logo fomos na feira da maratona pegar o kit e se distrair um pouco. Muito legal!! As melhores marcas para corrida em um só lugar. Tinha de tudo: calçados, vestiário, suplementação, relógios e acessórios. Dava para passar várias horas lá fuçando as novidades. Para pegar o kit estava tudo muito organizado e rápido.
A maratona não acontece só no domingo. A cidade fica toda movimentada vários dias, cheia de eventos e grupos correndo pelas ruas. Tem a feira, umas duas corridas nos dias que antecedem a prova, o jantar de massas e a feira dos “finishers” depois da prova.
Eu e o Luchi (Luis Augusto Luchi, cujo depoimento você pode ler aqui) tínhamos planos de não andar muito nos dias antes da prova.
Queríamos dar umas voltas pela manhã, almoçar, ir para o hotel descansar e só sair para jantar depois. Mas estes planos não funcionaram muito bem e acabamos batendo bastante perna nestes dias.
A prova
No dia da prova pegamos o ônibus da agência as 6 da matina, nossa largada era as 10:10. Estava frio, mas não como imaginávamos. O dia na verdade estava muito especial e propício para a corrida. Estava ensolarado, com uma temperatura baixa, mas muito agradável para a corrida, e sem vento, que era outra preocupação minha. Peguei vento em pouquíssimos trechos e era um vento lateral, que não atrapalhou muito.
No caminho para a prova ouvi alguém falar que a maratona de NY era uma das mais difíceis das “majors”, que não sabia como algumas pessoas escolhiam aquela prova para fazer a primeira maratona. Bom, até ali eu não tinha consciência disto. Foi um motivo a mais para respeitar a prova e segurar bastante no começo. Escolhi NY para conciliar com a vontade de ir para lá da Ana, minha esposa.
Chegamos no local de concentração e mais uma vez vimos como tudo era muito organizado e funcionava bem. Pelos números oficiais foram 47.438 corredores que largaram (46.795 terminaram). Cada corredor tinha um ônibus com horário e local determinado para pegar. Com isso o trânsito fluía muito bem.
No local de concentração havia bagels, donuts e água a vontade. Precisei ir ao banheiro três vezes e esperei no máximo por três pessoas na minha frente. Não tinha fila para nada. Na verdade a única fila que vi foi para pegar donuts.
Quando percebi o clima favorável, a ausência de vento, a energia daquela concentração e como estava me sentindo, vi que aquele era o meu dia, onde poderia me superar e dar o meu melhor.
A largada era separada em três ondas com horários diferentes. Cada onda em três cores e cada cor em baias. Tudo determinado pelo tempo de conclusão de prova informado na inscrição. Eu e o Luchi estávamos na mesma onda de largada, mas em cores diferentes. Como cada cor tinha sua vila de concentração, precisamos nos separar. Mas antes disso ficamos uma hora mais ou menos descansando e percebendo toda a movimentação e as figuras que passavam por ali, num gramado comum entre as vilas. Por ali já rolava um som ao vivo pra animar o pessoal.
Chegou a hora de cada um ir para a sua vila. Cada corredor pode entrar na concentração com uma sacola transparente que eles entregam com o kit. Esta sacola entregamos em um caminhão e pegamos na saída da maratona. Bom a organização era tanta que tinha até hora certa para entregar o kit no caminhão. Na vila fiquei me hidratando bastante, fazendo a alimentação sugerida pela Jana (nutricionista), preparando o cinto com Accelerade e r4, o que levar para a baia de largada e vamos embora!
Uma coisa legal é que como o clima é frio, as pessoas vão com luvas, agasalhos e casacos que deixam nas baias, na largada e até pelo percurso. Depois tudo é recolhido e doado.
Estou agora na largada, escuto um tiro de canhão e vou para a prova ao som de New York New York, do Sinatra. O clima é tão envolvente que nem sentimos a primeira subida de 1,5 km na ponte Verrazano, aí vem uma descida e minha cabeça está em segurar o pace para não prejudicar o final da prova.
Queria fazer a prova numa média de 6:25. Passando a ponte já nos deparamos com uma galera nas ruas torcendo e uma banda tocando a cada km ou menos. É incrível a quantidade de gente que vai para as ruas prestigiar os corredores e como eles torcem e incentivam. Eles entregam frutas, chocolate, lenços de papel, levam cartazes… É um show a parte. Cada vez que precisava resgatar a energia para continuar na prova, corria para o canto da pista, dava um grito “uhuuuull” e saia batendo na mão da galera como um astro de rock ou do esporte. Muito legal!
Uma sugestão para quem pensa em correr lá é escrever o nome bem grande na frente da camiseta, eles adoram incentivar você quando enxergam teu nome.
Foi nesse clima que muitas vezes me pegava distraído a 5:45, 5:30 e voltava a me segurar. O único lugar mais silencioso foi em uma parte judaica do Brooklyn, mas até isso era interessante, observar as pessoas de lá com seus hábitos diferentes. No km 16 estava me sentindo muito bem e com um pace médio de 6:15. Pensei: “tô sobrando, vamos que vai dar!”.
A meia maratona chegou em cima da ponte Pulasqui, com uma subidinha onde já deu para sentir que o negócio não estava tão simples assim. Quando entrei na ponte Queensboro, no km 24, vi que a brincadeira tinha acabado. São mais ou menos 2km de ponte onde não tem torcida nenhuma. Ali já reparei algumas pessoas parando para caminhar.
Passando a ponte estava em Manhattan, na Primeira Avenida. Meu pace médio estava em 6:25, dentro do meu objetivo, mas percebi que não iria conseguir segurar assim. Nesse ponto havia combinado de que a nossa família estaria torcendo por ali. Me desfoquei um pouco tentando achar alguns rostos familiares e um olhar de incentivo depois de tanto esforço, mas não encontrei ninguém. Depois fiquei sabendo que eles ficaram pouco tempo ali e partiram para o Central Park com medo de não nos encontrarem em nenhum dos dois lugares. Também seria difícil de encontrá-los pois ao longo de toda a avenida tinha uma multidão que fazia umas 4 fileiras de gente nos assistindo.
São quase 5 km nesta avenida. Minha perna já estava bem cansada, o pace caiu bastante e ao final ainda tem uma ponte curtinha, mas pesada em função do desgaste. Nesta ponte tive a impressão que 40% das pessoas pararam para andar. Nessa altura minha lombar estava gritando e meus dedos dos pés estavam todos repuxados, tinha que mudar um pouco a pisada para aliviar os dedos. O corpo pedia para caminhar um pouco e a cabeça teimava em querer obedecer. Nessa hora lembrei dos treinos nas dunas da Joaquina, no Morro da Cruz, no morro da Praia do Forte e pensei: se o Paulinho não fez eu desistir nesses treinos, não é uma subidinha dessas que vai fazer eu parar minha corrida agora. A partir daí o que fazia eu me mexer era a expectativa de chegar na próxima marcação de milha e lembrar de todos que estavam acompanhando pela internet e pensar “tô aqui galera, não desisti!”.
Mal saindo da ponte já começo a escutar o tempo todo “Welcome to Bronx” junto com uma baita festa na rua. A animação das pessoas contagia!! O Bronx é bem curto, logo passamos por outra ponte, desta vez nada demais e chegamos novamente a Manhattan. Agora estava na Quinta Avenida, chegando ao km 34. A corrida estava muito difícil e começa a pior parte da prova, são praticamente três km de subida. No começo leve e na metade final bem inclinada, principalmente para um final de maratona. O Luchi me mostrou mais tarde um relato de alguém que comparava a maratona de NY à um jogo de vídeogame, onde a cada fase que se passa fica mais difícil de jogar. É isso mesmo.
No começo da Quinta Avenida, quando estava cada vez mais difícil me convencer a continuar correndo, olho para um telão diferente. Isso foi muito legal na maratona. As pessoas foram convidadas a deixar mensagens de motivação para os atletas que passariam em telões durante a corrida. Para que o corredor recebesse sua mensagem elas eram transmitidas assim que os sensores detectassem a passagem do chip do corredor. O Luchi não viu nenhuma mensagem, mas eu achei este telão e grudei nele. Passaram duas mensagens e de repente vejo um vídeo da Ana. Nesse momento a garganta apertou e foi onde mais me emocionei. Foi uma injeção de ânimo para terminar a prova.
Dá-lhe subida. As duas próximas marcações de milha pareciam não chegar nunca. Terminada a subida pensei “pra mim a maratona está garantida”. Daquele ponto em diante eu tinha corrido na sexta passada com o Luchi, então já sabia tudo que me esperava. Entrei no Central Park e de repente uma surpresa, aparece a Ana invadindo a pista, me dá um beijo na corrida e fala “Tais bem!!!”. Bom, dalí em diante foi tudo tranquilo (na medida do possível). Depois foi só cruzar a linha de chegada e vibrar bastante!
Completei a prova em 4:47h, num pace de 6:46min/km (9km/h). Foi um pouco além das 4:30h que gostaria, mas fiquei muito satisfeito pois foi a primeira corrida de 42km e nunca tinha imaginado que o traçado era tão difícil.
O pós-prova
Depois da prova fiz uma caminhada de uns 30min para o hotel. Fui todo orgulhoso enrolado em uma manta que eles entregaram onde estava escrito que havia completado a maratona de NY e com a medalha no peito. Passei o resto do dia e o dia seguinte com esta medalha, assim como muitos outros corredores. Com ela não pagávamos ônibus nem metrô e ainda ganhei um café no Starbucks.
Dicas para a Maratona de NY
Quem for correr a maratona eu sugiro que vá com o nome bem grande na frente da camiseta. As pessoas que estão assistindo adoram motivar quem eles enxergam o nome.
A feira da maratona é top e parece que tem uma feira para os finishers, com artigos personalizados do tipo “Concluí a Maratona de NY” que deve ser bem legal. Nós não fomos porque não sabíamos.
Parece também que na segunda sai o nome de todos os corredores que completaram a prova em menos de 5h no NY Times, é bem legal comprar este jornal.
Dicas de viagem
Em NY vale conhecer todos os pontos turísticos, é tudo muito legal. Uma cidade que gostei muito foi a Filadélfia. É muito bonita e tem uma vocação artística muito grande. É encantadora, especialmente no outono, quando as árvores ficam com uma coloração linda.
E o próximo desafio?
Gostaria de correr em Amsterdã e Berlim, deve ser muito bacana correr pelas ruas de lá.