Muita dificuldade, superação, força de vontade e amor ao atletismo. Este é o dia a dia de treinamentos do Cruzeiro, liderado por Alexandre Minardi, técnico e diretor de atletismo do clube mineiro.
Alexandre, super atencioso e apaixonado pelo que faz, respondeu às perguntas do Correr pelo Mundo sobre a equipe, a história de atletismo no clube, viagens e treinamentos. Confira!
Correr pelo Mundo – Como a equipe do Cruzeiro, hoje uma das mais fortes do Brasil, começou no atletismo?
Alexandre Minardi – A equipe do Cruzeiro Esporte Clube começou há 27 anos, onde divulguei na imprensa mineira que faria uma Seletiva de 10 Km aqui em Belo Horizonte, na Via Expressa, sendo 5 Km indo e 5 Km voltando – os vinte primeiros fariam parte da equipe do Cruzeiro E.C. e assim foi feito! Selecionei os vinte primeiros e treinei essa equipe apenas um mês para estrear na Corrida aqui em BH que se chamava Volta da BR 3 (corrida que não existe mais).
Na época, aqui em BH e no Brasil, principalmente em BH, só se falava da equipe rival, ou seja, o Clube Atlético Mineiro, que tinha uma equipe respeitada; um de seus atletas era o João da Mata Ataíde, um dos vencedores da Corrida Internacional de São Silvestre.
Me lembro perfeitamente que a estreia do Cruzeiro foi na Corrida Volta da BR 3 em julho de 1983, e confesso que fiquei com medo de fazer feio, pois havia atletas e equipes do Brasil inteiro, até do exterior. Lembro que essa prova foi organizada pela Corbel, entidade que não existe mais infelizmente aqui em BH. Era uma entidade que apoiava o Atletismo 100%.
A corrida foi um percurso de 9 Km e, conforme disse, fiquei com muito medo de perder feio para o rival – Clube Atlético Mineiro, conhecido aqui como Galo. E o Cruzeiro – a Raposa – não podia fazer feio pois a rivalidade é muito grande! Coloquei os vinte atletas que passaram na seletiva e fomos para a guerra! Antes tive uma preleção com os atletas, como faço até hoje, e disse para todos fazerem o melhor e que, se ficássemos entre os 10 primeiros no individual e por equipe também, já estaria de bom tamanho, afinal, estávamos começando. Nesta época eu também competia; hoje corro apenas para manter a forma.
Para minha surpresa, quando cheguei quase morto, faltando uns 200 metros, os atletas foram encontrar comigo vibrando dizendo que tínhamos ficado em 2º lugar geral – vice-campeões – perdendo apenas para um atleta do rival: Valdir da Silva Santos. O atleta do Cruzeiro, Wilton Ferreira da Silva, chegou apenas 2 segundos atrás do rival Valdir. Momentos depois saiu a apuração das equipes e o locutor anunciou que o Cruzeiro Esporte Clube tinha sido o campeão! Não acreditei, e confesso que chorei de emoção! A equipe inteira fez o maior carnaval! Daí prá frente passamos a treinar com mais vontade ainda e, graças a Deus, nunca perdemos uma prova por equipe e no individual para o rival Clube Atlético Mineiro.
Recordar é viver, e lembro que, no auge do João da Mata (logo após ter vencido a corrida de São Silvestre), o Cruzeiro fez duas corridas aqui em BH: uma de 21.097 metros e outra de 11 Km. O clube rival participou com o João da Mata, que era seu melhor atleta. O Cruzeiro venceu ambas provas, no individual e por equipe. Lembro que no individual o Cruzeiro venceu ambas provas, com folga para os rivais, com o atleta Amauri Ribeiro. Hoje Amauri Ribeiro não corre mais, e mora em Portugal.
CPM – Como é a rotina do grupo de atletas? Onde são realizados os treinamentos?
AM – A rotina do nosso grupo de atletas é a melhor possível. Eu tenho 25 atletas, sendo 10 titulares e 15 do Expressinho – ou seja, aqueles que estão lutando para serem titulares. Os titulares são aqueles que recebem um ajuda financeira do clube. Todos os anos eu sempre renovo a equipe com alguns atletas que estão dando resultados mais que os titulares. Os titulares ou voltam para o Expressinho ou saem do clube.
Os treinamentos para os atletas que moram em BH e aqueles que moram até 80 Km de BH ocorrem todas as terças e quintas-feiras, quando treinamos na Pista da Academia Militar de Belo Horizonte, que fica no Bairro Prado, um bairro bem central de BH. Mas tem um problema seríssimo. Há 27 anos temos um estresse pois não nos permitem treinar um minuto após às 8 horas da manhã. Há dias em que chegamos lá e somos barrados, alegando que haverá evento e a gente tem que voltar e fazer o treinamento intervalado na rua – a gente tem que medir mais ou menos a distância e correr no meio dos carros que é um perigo danado! Mas fazer o quê? Temos que treinar.
Lembro que um dia um cabo fez uma falta de educação tremenda com o Franck Caldeira, dizendo que já tinha passado do horário e que ele não podia estacionar seu carro dentro da Academia. Estou contando isso só para vocês terem uma idéia do stress que a gente passa para treinar nessa pista, que foi construída com dinheiro público. Este é o Brasil, e não é fácil.
Mas creio que este stress está chegando ao fim. No máximo até o final de dezembro a Pista de Atletismo do CEU – Centro Esportivo Universitário da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) deverá ser inaugurada; o chefe e diretor da UFMG é o fisiologista do Cruzeiro Esporte Clube Emerson Silame, que já nos comunicou que a pista estará totalmente liberada para equipe de Atletismo do Cruzeiro Esporte Clube. Aí sim, teremos mais tranquilidade para treinar. Vai ficar do jeito que merecemos!
CPM – Quais são os objetivos do Atletismo do Cruzeiro a longo prazo?
AM – O objetivo do Atletismo do Cruzeiro E.C. é sempre lutar para vencer todas provas que participamos e, na pior das hipóteses, conseguir um lugar honroso no pódio para sempre estar divulgando esse clube maravilhoso, que é o único clube de futebol profissional no Brasil que mantém o Atletismo.
Um dos objetivos do Cruzeiro é sempre classificar para disputar Jogos Pan-Americanos e Olimpíadas, e graças a Deus, temos alcançado esse objetivo. Em todas as Olimpíadas de 1983 para cá, o Cruzeiro Esporte Clube sempre participou com atletas.
Cito por exemplo as Olimpíadas de Atenas, na Grécia, na qual o Cruzeiro teve três atletas: Nestor Ariel Garcia Ribeiro, representando seu país, Uruguai; João Ntymaba, representado seu país, Angola, e Rômulo Wagner da Silva, representando o nosso Brasil. Pena que no Km 25 o Rômulo abandonou a prova, mas o Brasil se deu bem nessa Olimpíada (mesmo não sendo do Cruzeiro), já que Vanderlei Cordeiro de Lima conquistou a medalha de Bronze – que valeu mais que a de Ouro como todo mundo sabe.
Nos jogos Pan-Americanos Rio/2007 o atleta do Cruzeiro E.C. FRANCK CALDEIRA foi o grande campeão da Maratona.
CPM – Agora no final de 2010 temos duas importantes provas no calendário brasileiro: a Volta da Pampulha e a São Silvestre. Há alguma preparação especial dos atletas do Cruzeiro para estas competições?
AM – Para a Volta Internacional da Pampulha e a Corrida de São Silvestre – principalmente a São Silvestre -, vamos treinar na segunda cidade mais alta do Brasil que é Senador Amaral, no sul de Minas. Esta cidade perde por muito pouco em altitude para Campos do Jordão, mas ganha em percurso de terra, coisa que hoje não existe mais em Campos do Jordão, assim como a tranquilidade, que sobra em Senador Amaral.
CPM – O foco do Cruzeiro são as provas em território brasileiro. Quais são as provas disputadas no exterior pelo clube e quais são os critérios para seleção dos atletas para correr nestas provas?
AM – O foco realmente são as provas dentro do Brasil, especialmente aquelas que têm transmissão pela TV; afinal, hoje o que manda é o marketing. Gostaria muito de correr provas em todo mundo mas fica muito caro e o Cruzeiro visa o futebol, claro! Futebol é que mantém o caixa do clube.
Temos corrido em várias partes do mundo, mas muito pouco. Até na Espanha já corremos, e fomos campeões no Feminino da Ultra Maratona de Santa Cruz de Bezana, no norte da Espanha, muito próximo do sul da França. Me lembro perfeitamente que o Cruzeiro foi campeão com a atleta Denise Paiva Lucas Campos, e terceira no geral, é mole? Por muito pouco não foi a vice-campeã, pois faltando apenas 4 Km teve fortes cãibras e parou por uns 10 minutos para continuar depois e, ainda assim, foi a terceira geral. Bacana demais! A Denise mostrou uma raça e determinação impressionantes! Lembro que o locutor enalteceu demais o desempenho da Denise.
Quando aparece uma oportunidade para correr no exterior, geralmente faço uma seletiva entre os atletas, indo aquele que mostrar mais empenho – às vezes selecionamos os atletas dentro de uma competição. Já corremos no Uruguai, Paraguai, Argentina (Buenos Aires e Patagônia), Bolívia, nas Guianas, Holanda, Espanha, Portugal, África, Colômbia, Venezuela, Hungria, Japão e Itália.
Minardi e equipe no Circuito Caixa
CPM – O grupo deve viajar muito, não? Você, como técnico, se reveza para acompanhar os atletas? Como são os cuidados tomados com os atletas ao viajar para uma competição (alimentação, tempo de vôo, etc.)?
AM – Realmente viajamos muito e há vezes em que fico até três meses sem ficar um final de semana em casa – minha esposa fica revoltada mas falo pra ela que este é o meu trabalho e que quando a conheci já estava nessa luta!
Há semanas em que temos de quatro a cinco provas no mesmo dia, e eu vou para a principal delas. Há alguns dias, por exemplo, fui para a Primeira Maratona Internacional Maurício de Nassau de Recife. Além dessa prova, terá uma corrida aqui em BH que é a Corrida pra Night Corrida para Vida; a outra é a Meia Maratona de Maceió. Nas provas que não vou, sempre colocamos um atleta mais experiente para comandar os atletas. E daqui de BH, já reservo o local onde eles vão ficar por telefone ou por e-mail. É uma luta – tem que gostar muito do Atletismo, e eu, além de gostar AMO o Atletismo! E correndo para um Clube do coração fica melhor ainda!
Sempre falo para meus atletas para terem muito cuidado com a alimentação, procurando sempre comer comida de qualidade – não quantidade – e evitar tomar líquido nas refeições. Ou devem tomar líquido uma hora antes ou duas horas depois das refeições.
CPM – E sobra um tempinho para fazer turismo ao viajar para uma competição?
AM – A coisa mais rara é sobrar um tempinho para fazer turismo, pois o Atletismo é um trabalho: a gente chega sempre um dia antes da prova para descansar e logo após a prova voltamos pra casa o mais rápido possível para encarar os treinamentos para próximas provas.
Minardi e equipe de atletas do Cruzeiro
CPM – Há algum tipo de prova preferida pelo grupo?
AM – Olha, tenho atletas que preferem corridas de percursos planos ou variados, e apenas um atleta que prefere corridas que, de preferência tenham muitas subidas (se forem subidas fortes, melhor!). Este atleta é o João Ferreira de Lima (Conhecido como João da Bota). Ele é impressionante: é o atual tri-campeão da Volta ao Cristo da Cidade de Poços de Caldas, sempre superando quenianos e etíopes. Mas a maioria do grupo preferem provas de percursos plano porque fica mais fácil de administrar o ritimo da prova.
CPM – Qual é a dica de preparação que você deixa para todos os corredores brasileiros?
AM – A dica que deixo para todos atletas brasileiros é a de sempre seguir o que seus respectivos técnicos lhes orientam além de ter muita disciplina, raça e determinação.
Para as pessoas que sonham em ser um atleta, em primeiro lugar procure um médico e faça um check-up geral para poder iniciar o treinamento – comece com caminhada e aumente aos poucos o ritmo; quando perceber já estará trotando e em seguida já correndo leve. De repente alguma dessas pessoas possam tomar amor pela corrida e surgir um grande atleta olímpico, e porque não?!!!
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