Prova: Volta à Ilha 2012
Relato enviado em 18 de abril de 2012
O jantar em um dos hotéis mais refinados de Florianópolis não deixava dúvidas. Não, aquele não era um público comum! Em vez de vinho ou whisky, as mesas com uma vista inebriante pra Beira-Mar Norte acumulavam copinhos de água. No máximo, latinhas de refrigerante… Completamente atípico. Basicamente previsível. Era véspera da prova três vezes eleita a “Mais Charmosa do Brasil” pela revista O2 e recentemente incluída entre as “Cinco Melhores Corridas do Mundo”, pela revista Viagem e Turismo.
Com oito anos de Volta à Ilha nas costas, um como atleta e os demais nos bastidores, dando apoio e doando torcida à equipe do meu marido, Marcio Henrique Doniak, eu naturalmente sabia que pra estar de pé às quatro da madrugada precisava deitar cedo. Dito e feito! Voltamos logo pra casa, mas quem disse que o sono vinha… Virei pra cá, pra lá, pra cá de novo, e assim foi a noite inteira. Acordando de hora em hora, ora impaciente ora consternada.
Da prova anterior pra esta, perdemos, pra sempre, dois grandes atletas, e não à toa, dois gigantes amigos. Dois jovens que se foram, sem chance de despedida. O Patrick, por volta dos 40, de ataque cardíaco fulminante. O Dijone, por volta dos 30, assassinado em Jurerê Internacional. De repente, pela primeira vez em anos, faltava o nome deles na ficha de inscrição. Sobrava saudades e vontade de honrar o exemplo que nos deixaram, elevando o espírito de equipe acima de qualquer vitória.
Nosso time, este ano, era formado por 10 atletas. Quatro conheciam a prova. Mas pra maioria seria tudo novidade: as regras, os colegas, o percurso, a torcida em cada posto de troca, aquela multidão de 3.700 atletas divididos em 400 equipes. Gente proveniente de quase todos os estados brasileiros e inclusive do exterior. Uma “muvuca” de vans, carros, motos e – pela primeira vez – lancha e banana boat – fornecidos pela organização em um dos trechos iniciais.
A Equipe Super-Saúde
Com 140 quilômetros, a Volta à Ilha atrai desde duplas profissionais até equipes de participação com 12 atletas que se revezam natureza afora, desbravando os quatro cantos da Ilha de Santa Catarina. Do confortável asfalto plano ao “Morro Maldito” do Sertão do Peri, com 15 quilômetros de extensão e uma largada íngreme de zerar o fôlego. Daí o apelido! Das dunas fofas e quentes às trilhas fechadas com acesso a pé, exclusivamente. Por isso, por mais que a gente conheça a prova, todos os anos ela se revela, surpreendente.
Nesta edição, as chances de chuva eram de 90%. Mas o predomínio foi de céu encoberto, pra sorte daqueles escalados pra correr ao meio-dia. No meu caso, fiz o segundo trecho, que liga o bairro João Paulo ao Saco Grande. Larguei por volta das 6 da manhã, com os postes acesos e os tênis luzindo, demarcando a escuridão. Meu cenário, ao contrário do ano passado, quando trilhei as areias de Jurerê, não tinha nada de atraente. A novidade então ficou por conta da solidão.
Em 2011, movida por inúmeras restrições, de fôlego, pressão arterial, anemia e outras inseguranças trazidas pela minha estreia com sol a pino, escalei meu marido pra me acompanhar, lado a lado, passo a passo. Esse ano, mais confiante, larguei sozinha. Em vez de parceiro, agora, ele era meu destino. A cada subida, quando o coração pedia trégua, era só nisso que eu pensava: preciso chegar lá, o quanto antes, porque o meu amor me espera.
Que sensação suprema. Que experiência superlativa. Que momento único: de emoção, de energia, de equilíbrio, de vida. Mais do que a fadiga, nessa hora impera a gratidão. Por estar viva, saudável, ter independência e autonomia. Ser casada no civil mas também no esporte, na crença de que os cuidados devem ser a quatro mãos e a evolução a quatro pés, na certeza de que a gente vai mais longe quando a cumplicidade supera a competição.
Todo corredor – e oxalá todo casal – deveria se dar uma oportunidade como essa, de participar de uma prova de revezamento. Passado o bastão, o compromisso permanece. É hora de inspirar o próximo. Incentivar o amigo. Torcer pro anônimo. Vibrar com o esforço de cada atleta. Porque cada um ali tem uma história diferente. Uma vitória só sua, sobre a preguiça, o sedentarismo, a doença, as limitações, os traumas, as exigências da rotina e todos os pesos que nos prendem.