Corredor Viajante – Ricardo Nishizaki – Meia Maratona de Lanzarote 2011

Leia o relato de Ricardo Nishizaki sobre sua participação na Meia Maratona de Lanzarote, na Espanha, em dezembro de 2011.

Prova: Meia Maratona de Lanzarote

Relato enviado em 23 de dezembro de 2011

Tive férias sensacionais andando pelo Atacama e pela Bolívia em outubro. Férias a passeio, puro, sem corridas no meio. Mas apesar disso não esqueci o lado corredor. Imaginei que tanto tempo em altitude, alcançando quase 6.000 metros, devem ter gerado algumas hemácias a mais que poderiam em ajudar no que restava do ano. Por não ter corrido, por estar de férias estava destreinado, e o tempo era curto para uma prova longa. Mas no tempo que restava até o final do ano achei que daria para fazer uma meia maratona e pus-me a procurar uma para aproveitar meus pulmões cheios de oxigênio.

Adoro minha cidade, São Paulo, e havia uma meia maratona aqui no final de novembro, mas como é um período de muito calor, e como qualquer desculpa pra mim é válida para viajar, resolvi procurar alguma coisa em um lugar diferente. A primeira opção era Benidorm, perto de Valencia, uma cidade que eu não conheço e que dizem ser muito interessante. Até comprei as passgens, mas aí percebi um erro grave: caía justo no meu aniversário de casamento e essa seria uma viagem solo, já que a esposa não tinha como se afastar uns dias do trabalho. Tive que mudar e acabei achando uma maratona em Lanzarote, a ilha mais ocidental das Canárias, terra que José Saramago escolhera para viver em seus últimos anos de vida. Confesso que essa era a única informação que tinha da ilha.

Mas pesquisando tudo se aprende e vim a descobrir que Lanzarote, mais do que isso, mais do que apenas uma ilha das Canárias, era um lugar diferente, surreal.

A intensa atividade vulcânica na ilha e a proximidade com a África (fica apenas a cerca de 100km da costa marroquina, é a ilha mais próxima do continente) fizeram com que ela tivesse uma paisagem meio lunar, e um clima semi-árido. Boa parte da costa oeste é dominada por uma série de vulcões que entraram em erupção nos séculos XVI e XVII e que formam o Parque Nacional Timanfaya.

Do outro lado, ficam as cidades, os resorts e as praias. Mas o mais interessante nessa ilha é que, à exceção de Arrecife, a capital, onde existem alguns prédios mais ocidentalizados, e os próprios prédios-monstro de alguns resorts, toda a arquitetura das cidades e vilas é saarica. Todas as casas e construções são brancas e possuem um formato quadrado, sem telhado, já que chove muito pouco. Na estrada (todas ótimas, padrão europeu) se vê de longe uma vila: é uma mancha branca no horizonte.

As atrações turísticas estão vinculadas ao vulcanismo, às obras de Cesar Manrique ou às praias. Quanto a essas, sinceramente não achei grande coisa, mas deve ser um belo atrativo para os europeus, já que a uma distância relativamente curta você pode fugir do inverno de dezembro e pegar um solzinho. O que tinha de escandinavo e inglês por lá não tá no gibi!

Quanto aos vulcões, ótimas paisagens. Mirantes (Mirador del Rio), cavernas escavadas pela lava (Jameos de Água, Cueva de los Verdes), minigeiseres criados pelo homem, algo bem diferente para nós. E quanto ao artista, ele criou algumas coisas meio malucas, como um Jardim de cactos do mundo todo, museos, fundações etc. A ilha tem muitas coisas a se ver, considerando-se o seu tamanho (cruza-se, de carro, em menos de uma hora). Há também alguns vinhedos, mas acabei não tendo tempo de vê-los.

A corrida em si seria em uma das vilas de praia, chamada Costa Teguise, a uns 15 km da capital. Ali me senti em uma vila de resorts, tudo muito artificial, tudo muito limpo, bares disputando clientes exibindo a maior TV onde seriam transmitidos jogos da Premier League, nada que me agradasse muito. Mas ali eu passaria apenas para correr, e o percurso prometia ser bastante rápido, plano, à beira-mar. Busquei meu kit, bastante simples, como a prova. O número de participantes não chegou a mil, e muitos deles eram estrangeiros: suecos, finlandeses, dinamarqueses, ingleses, poloneses e um maluco do Brasil com cara de japonês: eu.

A prova tinha uma estrutura bastante simples, seria em circuito onde os participantes dariam 1 (10,5km), 2 (meia-maratona) ou 4 voltas (maratona). Apesar do tamanho pequeno da prova, haviam 13 cadeirantes, mais do que a média em provas muito maiores aqui no Brasil. E foram eles que largaram primeiro. Nós, corredores, aguardamos um pouco e largamos com um atraso de 15 minutos, mas ninguém ligou muito. O clima tava ótimo, naquele dia o sol não abriu e a temperatura estava na casa dos 16 graus.

Eu fiquei perto do marcador de ritmo da meia para 1h50, um tempo razoável pra mim. Embora tivesse me motivado achando que teria muitos glóbulos vermelhos para gastar, na prática meus treinos foram meio ruins e eu já tinha esquecido a idéia de bater meu recorde pessoal (1h49). Porém, prova é prova e eu até larguei num ritmo conservador, mas depois de um quilômetro já tava achando que o marcador de ritmo tava meio lento. Acelerei, com cuidado para não exagerar, e rapidamente abri vantagem. No Garmin tava rodando abaixo de 5min/km e tava fácil. A prova não era totalmente plana, tinha algumas subidas e descidas curtas, mas o que travou um pouco os corredores foi o vento, na volta do circuito.

Mesmo assim fechei a primeira perna de 10,5km em 50min30s, num ritmo muito próximo ao meu melhor 10k. E segui, leve, pensando que aquele era o “meu dia”, ao mesmo tempo que imaginava que hora que eu ia quebrar, porque sabia que o ritmo seria insustentável até o final. Pois bem, senti justamente quando comecei a voltar e peguei o vento contra. Mas ali o recorde era meu e era uma questão de tentar administrar o que restava de força. O que eram 5km para um ultramaratonista? Naquele momento era muito, mas tentava me motivar dessa forma. E fui indo, indo, o ritmo caindo um pouco, mas seguia na marra. No 19ºkm, um susto: torci o pé ao pisar de lado num paralelepípedo. Mas foi leve e depois de uma hesitação que durou uns 5 segundos, voltei a correr. E com os bpm lá em cima, cansado mas feliz, fechei em 1h44m48, quase 5 minutos abaixo do meu melhor tempo.

E o que a prova tinha de simples no kit e na largada (e na medalha, bem vagabundinha), tinha de legal no pós-prova. Além dos tradicionais isotônicos, água, frutas e lanchinho (simples, mas de boa qualidade), havia massagistas, uma piscina com gelo para crioterapia e… sorvete e cerveja!! Ali todo mundo virou amigo, “te considero” pra caramba e fui embora antes que me visse impossibilitado de dirigir até o hotel. Afinal, eu ainda teria que escutar o jogo do Corinthians pelo rádio de internet e comemorar, sozinho, o meu título de campeão!