Corrida de São Silvestre, por Sílvio Américo
Relato enviado em 03 de junho de 2010
Sempre tive o sonho de correr a São Silvestre, que segundo meu pai, Flavio Araujo, era um sonho de todos os meus irmãos. Meu pai já havia completado o percurso por mais de 20 vezes nas décadas de 60, 70 e 80, porém, amarrado na carroceria de uma camionete, narrando a prova pela Radio Bandeirantes, sempre na passagem de ano. Então, todo ano novo uma coisa era certa, meu pai só chegaria depois que a prova terminasse. Talvez daí viesse a nossa vontade de participar da prova, para estar junto a ele naquele momento.
O tempo passou, mas o sonho não, e virou até motivo de graça, todo ano, encerradas as inscrições, eu sempre brincava: “Poxa, perdi a inscrição, mas ano que vem estarei lá!”.
Com exceção da época do Tiro de Guerra, em 1988, sempre fui um cara sedentário, minhas sessões de tentativa de treino mal chegavam a uma semana. Até que um dia, o Matheus Henrique, personal trainer e colunista do Ribeirão Preto Online, veio com a proposta de pegar alguém como eu, e em 6 meses deixar apto a correr a São Silvestre. Me colocaram nessa como piada, mal sabiam da vontade que eu tinha de participar dessa corrida: Topei na hora.
Marcamos o início do treino, e logo de cara, no dia 26 de julho, o Matheus me colocou na “Corrida da Solidariedade”, 8 km nas ruas do Parque Ribeirão. Nunca havia corrido ao menos a metade da distância, mas como ele me deixou bem à vontade para correr no meu ritmo, completamos a prova em 1 hora.
Me dediquei bastante aos treinos, puxados para quem nunca havia treinado antes, a cada dia um novo desafio era conquistado, e fui sentindo a melhora a cada dia. Aos poucos fui me adaptando ao melhor horário de treinos, e a próxima corrida já passava a criar expectativa. Foi assim na corrida de Pitangueiras, no dia 16 agosto, 7 km completados em 39 minutos. Uma melhora considerável em apenas 20 dias de treino.
A dedicação nos treinos foi fator determinante para os resultados, claro que com todo apoio do treinador e dos professores da Equilíbrio, que além de me treinar, incentivavam a cada dia, exigindo o máximo da minha performance, sem falar dos amigos que vamos conhecendo e fazendo nessa jornada, cada nova conquista minha passa a ser uma conquista de todos.
No final da primeira planilha, em setembro, veio à primeira contusão, o treino passou para uma etapa mais pesada, e o joelho passou a doer. Prontamente o Matheus mudou a carga, e o tratamento foi rápido, tanto que no dia 18 de outubro estávamos em São José dos Campos, para Corrida da Longevidade. Percurso de 6 km no lindo Parque da Cidade. O que era para ser uma prova normal, foi um cross-country, tamanha era lama no percurso, que completamos em 33m58s. Mais uma etapa superada.
Correr passou a fazer parte do meu dia a dia, e falar da tão esperada São Silvestre então, nem se fala, ninguém agüentava mais me ouvir falar na corrida. Os treinos passaram a ser mais longos, a musculação foi acrescentada para fortalecimento e proteção das articulações. Um dia sem correr, era como ter passado um dia sem beber água, e a disposição que o treinamento trás, reflete em nossas outras atividades. A melhora física é visível.
O último treinamento foi um desafio de 13 km, no dia 20 de dezembro, entre Ribeirão e Bonfim Paulista, e foi completado com tranqüilidade. Eu já estava pronto para a tão esperada São Silvestre. Fui tranqüilo para o litoral, aguardar o dia 31, com uma planilha simples para esses dias finais, somente para manutenção. Era só contar os dias e correr pro abraço.
Mas, se não tiver emoção, não tem graça, e mais um desafio apareceu de última hora. Num mergulho no Guarujá, no dia 26, sábado, a seis dias da prova, pisei num ouriço. Na hora não foi nada, os espinhos saíram todos e fiquei mais preocupado com uma pancada que havia dado no tornozelo. Porém, no dia seguinte, meu pé começou a inchar, não havia dor, só inchaço e vermelhidão. Fui ao hospital, e o médico diagnosticou como reação ao veneno do ouriço, passou antibiótico, antiinflamatório e antialérgico, e que fosse feita compressas de água quente, porém ele avaliou em pelo menos uma semana a recuperação do inchaço. No dia 27 meu pé estava ainda pior, a São Silvestre, que estava tão perto, ficou distante. Desanimei. Por telefone, o Matheus, com palavras de incentivo, mandou que colocasse o pé na água quente, o tão quente fosse suportável. E assim o fiz, troquei o chinelo, por um balde, e intensifiquei o tratamento, mas já estava descrente da possibilidade de correr, apesar de que, mesmo que eu não fosse a prova, uma certeza eu já tinha: Eu estava apto a completar os 15 km da São Silvestre.
No dia 29, o pé melhorou um pouco, mas ainda era pouco. Subi para São Paulo, peguei nosso Kit da Corrida (meu e do Matheus) e intensifiquei o tratamento na banheira do Hotel em São José dos Campos. Restavam-me dois dias, mas apenas no dia 31 meu pé amanheceu totalmente desinchado. Agora era só comigo, e era difícil segurar a ansiedade. Almoçamos e seguimos para São Paulo.
Às 15 horas eu estava na Paulista, junto com a Equipe Equilíbrio, meu irmão Helder e meu filho João Paulo na torcida. Agora não tinha mais volta, a alegria e vibração da prova são contagiantes, e tudo é festa. E ali conhecemos personagens da São Silvestre, como o Sr. Mota, figura que já participou de 54 edições da prova. Sr. Ângelo, meu amigo e companheiro de treinamento, e o Matheus registraram tudo que puderam.
Exatamente às 16h42 soa a corneta, e a prova começa, pelo menos para o pelotão de Elite e os Quenianos voadores. Para nós ainda levaria 20 minutos para chegarmos no ponto de partida, tamanho é a quantidade de atletas a nossa volta: 22 mil corredores.
A descida da Consolação é tranqüila, e aos poucos eu, o Matheus e o Sr. Ângelo, pegamos o ritmo, aquecendo. O primeiro e o segundo quilometro são completados com tranqüilidade. Passamos pela Praça da República, e depois do terceiro quilômetro chegamos ao cruzamento mais famoso da capital, Ipiranga com São João.
O incentivo do público é total, inclusive gritando o nome dos corredores, que está estampado na numeração das camisas, parece até que temos torcida pessoal.
No minhocão atingimos 1/3 da prova, e estávamos num ritmo agradável, minha meta era de terminar bem a corrida, pra sair bonito na foto.
Depois do Minhocão, nas ruas próximas ao Memorial da América Latina, um pequeno deslize. Os moradores jogavam água nos corredores, e acabei encharcando meu tênis, o que me custou uma pequena bolha no pé no restante do percurso, mas nada que atrapalhasse, nem dei bola pra ela.
Na Avenida Rudge Ramos vieram os primeiros sinais de fadiga, a 6km do final da prova.
Mas ao mesmo tempo, a força necessária para se chegar ao fim vem junto dos gritos da torcida, ou mesmo ao ultrapassar um garçom, vestido a caráter, e com copos na bandeja.
A cada placa de distância percorrida, vem a sensação de que o fim está próximo. Na Avenida Rio Branco. O km 10. Faltam cinco. Passado o Largo do Paissandu, entramos no Viaduto do Chá e mal dava para ver o Teatro Municipal em obras. Em meio a uma série de rampas, chegamos ao Largo do São Francisco, onde uma corredora começa a entoar o canto:
“Onde é que mora a amizade
onde é que mora a alegria
no Largo de São Francisco
na Velha Academia!”
Outro corredor começa a acompanhar o verso, e como não sei a letra, marco o ritmo com palmas, enquanto passamos pela imponente Faculdade de Direito, para logo em frente, no Km 13 chegarmos à temida Brigadeiro. Alguns corredores se felicitam por estar na reta final da prova. Meus companheiros já haviam ficado para trás desde a Rio Branco, o Matheus dando forças ao Sr. Ângelo que teve seu treinamento comprometido por uma série de contusões, e sentia isso naquele momento. Então era eu e a Brigadeiro, e assim foi, subi no pique, e quando o cansaço batia, eu pensava em tudo que passei para estar ali naquele momento, procurava alguém num bom ritmo e seguia a passos firmes com vontade de chegar.
Quando cheguei na esquina da Paulista, a alegria extravasou, entrei a mil por hora, ultrapassando quem estava a frente. Vi meu filho João Paulo na grade e comemorei com os braços ao alto. Meu irmão Helder gritou e passei pela chegada fazendo aviãozinho. O relógio marcava 02h03m51s de tempo bruto. Com 1h46m12s eu conquistei a São Silvestre. Dividi minha alegria com outros anônimos, que como eu, completavam a prova, felizes. Recebi minha medalha para logo colocá-la no peito, cheio de orgulho.
Agora, meio que parafraseando o poeta Gonçalves Dias em I-Juca Pirama, com o seu “Meninos, eu vi”, posso dizer: Meninos, eu corri.
Silvio Américo
Fonte: Ribeirão Preto Online