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Corredor Viajante – Iuri Lage – Merrell Adventure Race

Merrell Adventure Race, por Iuri Lage

Relato enviado em 15 de abril de 2010

Muitos são os atletas amadores que procuram unir duas grandes paixões: Correr e viajar! Eu sou um deles.

Há cerca de dois meses, recebi um email curto escrito por Paula, uma amiga corredora argentina, com a seguinte frase: “He encontrado una razón para que usted pueda visitar la Argentina, así que no sé si tienen el valor… Vea el vídeo.”

Traduzindo: Encontrei um motivo de você visitar a Argentina, só não sei se terá coragem… Assista o vídeo. Em seguida tinha o link: http://www.youtube.com/watch?v=JQ7qkjq_oZM&feature=related

Pronto. Foi o que precisei para rever meu planejamento de treinos para 2010 e iniciar a preparação para esta corrida tão especial…

Trata-se de uma prova de 29km que acontece nas proximidades de Tandil, cidade localizada a duas horas de Buenos Aires, em terreno misto (asfalto,terra,areia e barro) e intensa variação de relevo!

O grande diferencial sem dúvida são as paisagens lindas da região, o formato“adventure off-road” e a quantidade impressionante de participantes em um percurso tão difícil.

Minha preparação durou exatamente 53 dias e incluiu: exercícios de musculação duas vezes por semana, treinos longos de até 21km com bastante variação de relevo e alguns treinos em estrada de terra como forma de testar se meu tênis seria adequado para as variações de pisos.  Vale ressaltar que essa prova encaixou exatamente na minha preparação para maratona de Porto Alegre, meu principal objetivo para o primeiro semestre de 2010.

Preparação feita, agora é hora de pensar na mala e em tudo o que um corredor pode precisar em sua viagem… Parece simples, mas é muito comum surgirem dúvidas ao definir o que será colocado na bagagem levar coisas demais que não serão usadas é péssimo e deixar faltar artigos importantes que podem inclusive comprometer meu desempenho não dá! Sendo assim, montei um “check list” que com certeza irá ajudar muitos corredores que, assim como eu, fazem questão de uma mala eficiente e prática:

  • Camiseta regata
  • Camiseta t-shirt
  • Camiseta manga comprida
  • Tênis de rodagem
  • Tênis de competição
  • Short
  • Meias
  • Boné ou viseira
  • Porta chip
  • Bermuda térmica
  • Relógio
  • Cinto do frequencímetro
  • Dilatador nasal
  • Pomada anti-atrito
  • Óculos de Sol
  • Carboidrato em gel
  • Protetor Solar
  • Band – Aid
  • Analgésico p/ dores musculares
  • Remédio para dor de cabeça
  • Anti-gripal

Específico para esta prova:

  • Camelbak ou cinturão de hidratação (a organização oferece água a cada 6km apenas)

Após a chegada, quinta-feira em Buenos Aires, fizemos um treino leve na sexta pelos Bosques de Palermo (bairro charmossísimo que resume bem a capital argentina) e já no sábado pela manhã estávamos eu e o Samuca dentro do carro indo para a cidade de Tandil, onde seria realizada a corrida.

A viagem durou 4 horas de uma reta só! Isso mesmo, na Argentina parece que as estradas não têm curvas… Para nos distrair, ouvíamos no rádio o contagiante ritmo comum no país chamado “reggaeton”, reforçados pelas vozes das nossas amigas corredoras porteñas Paula e Maita, que nos davam carona.

Chegando à cidade, logo almoçamos e fomos pegar os kits em um clube. A camiseta da prova (obrigatória durante a corrida) decepcionou um pouco, porém a feira de esportes ao lado da entrega dos kits estava interessante, com produtos baratos e de boa qualidade.

Em seguida, fomos até a beira de um lindo lago tomar mate (também conhecido como chimarrão) com a equipe da Paula, nossa amiga. Foi tudo muito interessante! As pessoas, o relacionamento, o astral, as conversas, tudo era muito parecido com o que fazemos aqui entre a gente, porém em um lugar diferente e com pessoas falando outra língua.

Visto o por do sol, fomos para o hotel, tomamos banho e voltamos ao local da entrega de kits para o tão comentado naquela tarde “Congresso Técnico”. Comum em provas de triathlon aqui no Brasil, trata-se de uma breve apresentação dos organizadores sobre tudo que irá acontecer durante a corrida, como postos de hidratação, ambulâncias e características do percurso. Mas nesse caso, fiquei muito surpreso! Não se tratava apenas de uma palestra, mas sim de um grande evento, com vídeos motivacionais, apresentações de artistas da cidade, jogo de luz, música alta e todos o corredores presentes. Muito legal!

Depois da “festa”, direto para o jantar de massas e cama rumo ao domingo…

Acordamos tranqüilos, colocamos a roupa e fomos de carro até o local da largada. Nada muito diferente do Brasil, pessoas agitadas e ansiosas, filas enormes no banheiro e um friozinho típico de uma manhã do outono argentino.

Contagem regressiva e com meu coração acelerado começo a correr com aquela multidão de malucos! No início todo mundo muito devagar, pois os primeiros 600m são de uma subida duríssima e ninguém queria forçar logo no início sabendo que 28km deveriam ser percorridos. Em seguida, uma bela descida e o início da estrada de terra que acompanhariam os corredores até o final!

Com o clima muito ameno e pouquíssimas inclinações, posso dizer que os 19 primeiros km dessa prova foram apaixonantes. Fazendas enormes, crianças estendendo as mãos para tocar os corredores, campos de golf, cavalos, pedras monumentais, sombra e brisa fresca.

Haviam nos alertado no congresso técnico que os últimos 8km seriam os mais difíceis, e que as subidas das montanhas nesse trecho eram “osso duro de roer”. Mesmo assim, fui levemente contagiado pela empolgação dos corredores e fiz um ritmo um pouco mais veloz do que havia estabelecido para mim no primeiro trecho.

Meu Garmin já apontava o final do 19º km, quando de repente me senti o Claudio Souza, meu atleta… Enxerguei o Everest na minha frente! E no meio dele, uma fila de formigas azuis que inacreditavelmente escalavam aquilo. Se vocês reclamam das subidas da Linha Verde, iriam chorar ao ver essa montanha! Seriam como 3 Serras do Curral uma em cima da outra, com inclinação próxima de noventa graus e em alguns casos utilizando a mão para vencer os obstáculos. Uma verdadeira escalada!

Lá fui eu, valente, no meio daquilo tudo. Chegando lá em cima, estava ainda recuperando meu fôlego quando um corredor argentino deu um grito altíssimo e caiu no chão se retorcendo e sentindo desesperadamente muita dor. Mais do que depressa procurei a cobra que havia mordido o rapaz, mas nada havia do seu lado! Na verdade, o que ele estava sentindo era uma cãibra na panturrilha como nunca havia visto alguém sentir antes… Sem pensar duas vezes peguei na ponta do seu pé e empurrei alongando a panturrilha e aliviando aquela contração involuntária. Já mais calmo, fui devagarzinho voltando a perna do corredor para o chão quando de repente outro grito e mais uma sessão de cãibra! Fiquei ali mais de dois minutos acalmando o rapaz que finalmente relaxou e conseguiu ficar sentado no chão esperando o resgate.

Só depois desse susto pude curtir a paisagem nesse trecho, que era simplesmente de tirar o fôlego! Como tudo que sobe desce, em seguida veio uma descida fortíssima, com muitas pedras em uma trilha fininha que só cabia um corredor de cada vez. Aproveitei para soltar as pernas e recuperar um pouco o tempo que havia perdido!

Em seguida estava a segunda montanha, que não era alta como a primeira, mas não ficava atrás de nenhuma ladeira de Ouro Preto! Mais pessoas com cãibras, um gole de água e vamos embora que a paisagem está cada vez mais bonita…

Outra descida, essa muito escorregadia! E sem descanso chegamos à terceira montanha, irmã gêmea da primeira. Nossa como tive que ter cabeça… Devagarzinho fui subindo! A musculatura das minhas coxas queimava de tanta força que fazia, até que cheguei ao topo e a paisagem mais uma vez me fez esquecer todo o sofrimento.

No final de todas as subidas observava que muitos corredores se alongavam antes de voltar a correr. Resolvi testar esse método com a intenção de relaxar minha musculatura que estava visivelmente endurecida. No primeiro alongamento que fiz senti pela primeira vez na vida uma cãibra na coxa! Parecia que meu quadríceps repuxava meu fêmur causando uma dor indescritível… Mais do que depressa soltei minha perna e voltei a correr em ritmo lendo como se nada tivesse acontecido, abandonando de vez esse método….

O segredo de lhe dar com uma cãibra no meio da prova é tentar esquecê-la, relaxar ao máximo a musculatura, repor a água e os sais perdidos pelo suor. Foi isso que tentei fazer a partir desse ponto!

Mal acabou a terceira montanha e já se via a quarta. Minha cabeça já não pensava muito nesse instante, e tudo que sentia era uma vontade de chegar e fechar os 28km…

No topo dessa quarta montanha já se via a cidade e bandeirinhas próximas da chegada! Cheguei a pensar que seria uma miragem ou delírio de alguém muito cansado, mas realmente era a linda Tandil que dava as boas vindas aos verdadeiros guerreiros daquela prova!

Fui descendo no meio de vários corredores que se arrastavam, até chegar ao lago onde havia estado na tarde do dia anterior… Atravessei uma ponte e já podia ouvir o locutor narrando à chegada de alguns atletas.

Estava em transe, explodindo de alegria, quando avistei uma escada de mais ou menos 30 degraus e placas indicando que o caminho passava por ali… Nessa hora esqueci toda a boa educação que recebi da minha família e xinguei dos piores nomes que você possa imaginar o simpático rapaz que teve a idéia de colocar essa escada nos metros finais de uma corrida como aquela.

Superada a escada e o mau humor temporário, avistei uma multidão que aplaudia fervorosamente, formando um lindo corredor humano que levavam os atletas até o pórtico de chegada.

Emocionado, cruzei a linha de chegada batendo palma, agradecendo o carinho de todos e me parabenizando por ter vencido o maior desafio esportivo da minha vida!